segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Coleta seletiva e reciclagem: uma alternativa viável


Iniciativa de cooperativas, ONGs, escolas e da comunidade comprovam que é possível, apesar das dificuldades e dos custos, adotarem uma postura ambientalmente correta e eficaz
Por Luciano Lugori

Dona Cleuza exibindo materiais separados e prontos para coleta: um dever do cidadão. 
Uma prova de que a comunidade é muito importante no processo.



Com uma atitude simples e rotineira, a dona de casa Cleuza Gonçalves Ribeiro separa garrafas PET e latinhas, além do lixo úmido do seco. Há mais de cinco anos, essa é uma atividade que já se tornou espontânea na vida da curaçaense. Mesmo antes de sua cidade Curaçá, na Bahia, adotar uma política de separação e coleta do lixo, ela já o fazia. “Além de ajudar o meio ambiente, ainda ganho um troco para comprar pão”, afirma dona Cleuza, toda entusiasmada. 

Desde 1996, embalado pelos movimentos ambientais que se difundiam Brasil afora, Curaçá começou a pautar o tema de maneira mais pertinente. A Agenda 21 local foi por longos oito anos discutida e, finalmente, concretizada e publicada em 2004. A questão ambiental ganhou forças nos últimos anos com a criação de Conselho de Defesa de Meio Ambiente, de cooperativa de catadores e instituições voltadas para a área. 

Curaçá passou a adotar novos costumes e começou a minimizar impactos ambientais, a partir da sensibilização da comunidade e seu envolvimento em encontros temáticos, cursos para capacitação e manejo adequado do lixo, projetos escolares, que tornaram a cidade um campo de experimento e iniciativas, inclusive tem sido apontada como pioneira na região, na adoção e promoção da coletiva do lixo. 

Questionado sobre a viabilidade do projeto, Clébio Jatobá, secretário de infraestrutura de Curaçá e um dos precursores da ideia, assegura que é possível fazer do lixo um meio de sobrevivência, mas deixa claro que o trabalho é bastante árduo e os custos são altíssimos. “Os números são animadores e mostram que podemos transformar esse sonho promissor numa realidade imediata. Estamos planejando para incentivar a comunidade e estimular a sua participação no processo da coleta do lixo”, conclui o secretário. 

O trabalho começou de fato em janeiro de 2009, quando o município contratou os trabalhos da conceituada ambientalista Urik Rapp de Senna, ou simplesmente, Uli Manaca, alemã residente na Bahia, que desenvolve trabalhos voltados para preservação ambiental. Uli ministrou palestras, apresentou experiências, incentivou jovens, preparou estudantes, e o mais importante, despertou na comunidade curaçaense a necessidade de cuidar, com pequenos gestos, do planeta. 

Baias utilizadas para separação do lixo
Após a parte humana e conceitual, logo foi criado o Centro de Triagem. Foi o primeiro passo da parceria entre o município e a comunidade, faltava agora o incentivo para que a população compreendesse a importância da separação do lixo em casa, a fim de facilitar a labuta dos catadores, separadores de todos os materiais que chegavam ao espaço. Entrava a participação de entidades, grupos de jovens, associações que fizeram um trabalho de visita em escolas para divulgação do início de projeto de Coleta Seletiva e Reciclagem em Curaçá. Isso já rendeu estudos e até trabalhos acadêmicos para conclusão de curso. A pedagoga Martha Costa Gomes fez uma reflexão sobre os resíduos domésticos na cidade, analisando a participação das pessoas no processo e observou ainda se os envolvidos despertaram a “consciência ambiental”. Segundo a pesquisadora Martha Costa, boa parte da comunidade ainda tem uma resistência política e não colabora com a coleta nem participa das atividades relacionadas promovidas na cidade. Na pesquisa, a pedagoga cita a importância das parcerias e chama a atenção o projeto e na inserção da camada mais excluída da população, como os catadores de papel, moradores próximos ao lixão e que sobrevivem do lixo. 

Os catadores de lixo se organizaram e fizeram uma associação para representá-los juridicamente. Recentemente, os associados fundaram a Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Curaçá-Bahia (COOPARC), atual responsável pela separação dos resíduos que chegam ao centro de triagem e pela coleta em locais pontuais, previamente cadastrados pela entidade. “A criação da cooperativa foi crucial que adquirimos mais visibilidade e credibilidade perante a sociedade, apesar de termo cooperativismo ter uma rejeição por algumas pessoas, devido experiências anteriores”, declarou Luis Raimundo da Silva, presidente da instituição. 

A COOPARC organizou melhor, não apenas os trabalhadores, mas informações sobre produtos recolhidos e separados que são, posteriormente, vendidos a empresas “atravessadoras” que dão um destino final a todo o material coletado. Essa realidade empobrece o trabalho dos catadores e desvaloriza o preço dos materiais, muitas vezes chegam a cair 50% do valor, mas a cooperativa arrecada cerca de R$ 3 mil por mês, que são revertidos para a própria entidade e para seus cooperativados. 

Um quilo de latinha de ferro ou plástico vendido a dez centavos e um quilo de garrafas PET a R$ 0, 50 (cinquenta centavos) são exemplos dos baixos valores (na maioria dos casos é a maneira mais possível) pagos por um serviço que exige tempo e custo, que envolve muitas pessoas e instituições, onde tudo é rateado no decorrer do longo caminho desde a coleta até a reciclagem. A cooperativa serviu para atenuar catadores avulsos e compradores que atravessavam o processo, tornando menos injusto e mais motivador a trabalhar com o lixo. 

Maria Edineide: feliz com o seu trabalho
A catadora Maria Edineide Félix da Silva faz parte da COOPARC e realiza, diariamente, a coleta de materiais recicláveis nos bairros da cidade. Existe um cronograma de atividades que são distribuídas para os responsáveis por cada setor. “Eu não tenho muito estudo, queria um coisa melhor, mas estou feliz com o que faço, pois além de ganhar um dinheiro, ajudo a manter a cidade limpa”, comenta a agente ambiental. Todo o material recolhido é depositado numa casa alugada pela entidade, que a cada 20 dias recebe a visita do comprador. 


Cooperativa Recicla 

João Eudes da Cruz Lima, mais conhecido como Edinho, criou a RECICLA CURAÇÁ, empresa responsável pela compra de todo o material da cidade de Curaçá, tanto o material separado pela cooperativa quanto de pessoas comuns da comunidade que separam e amontoam em suas residências pequenas quantidades. Segundo o empresário, os lucros são poucos, mas vale a pena trabalhar com o meio ambiente, pois gratifica a alma. O empreendedor lamenta dificuldades financeiras para aquisição de ferramentas necessária para execução dos serviços básicos. 

“Estou lutando para comprar um caminhão maior e um elevador para empilhar os blocos de materiais, além de aumentar o número de funcionários e melhor o ambiente de trabalho que ainda não é coberto”, comenta João Eudes. A RECICLA CURAÇÁ, apesar de ajudar no processo, ainda funciona como atravessador. Após a compra, a empresa faz a venda do plástico para a ECOPLÁSTICO e dos demais itens para Amorim Metais e Jubá Reciclagem. Em média são recolhidas 25 toneladas de lixo pela empresa curaçaense. 

Apesar das dificuldades, dos erros e falhas, Curaçá se tornou referência na região sanfranciscana, quando o assunto é coleta coletiva. Cidades como Juazeiro, na Bahia e Petrolina, em Pernambuco, ainda não a realizam. Segundo Givaldo Rodrigues Lopes, consultor técnico do Instituto de Inclusão Social e Desenvolvimento Econômico-Cultural-Ambiental (Ideia), o que existe nessas cidades, são associações e cooperativas que atuam para amenizar as condições desumanas dos catadores. A discussão sobre coleta seletiva e reciclagem e parceira com os municípios ainda está sendo amadurecida. 

A ONG Ideia é referência na região no processo de organização dos catadores de materiais recicláveis e na luta em prol de direitos e melhorias das condições de sobrevivência. Givaldo Lopes revelou que a instituição está tomando a frente das atividades voltadas para coleta e reciclagem, uma vez que o seu foco são os catadores, e estes são os principais responsáveis no processo. “Fizemos um projeto e enviamos para Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia, onde conseguimos uma verba e compramos esteira, elevador, prensas, carrinhos e balanças, equipamentos necessários para o serviço”, revela o consultor. 

Se a coleta seletiva é viável vai depender da realidade de cada cidade e as atitudes de gestores, instituições e pessoas envolvidas. Os números compravam dificuldades, novas posturas (re)criam possibilidades. Curaçá saiu na frente e mesmo não sendo de forma incisiva mostra que é viável. Não se pode negar o esforço de alguns e o desleixo de muitos, mas um trabalho mais minucioso e melhor planejado incluirá todos no processo de defesa do meio ambiente. 


  

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