sábado, 25 de fevereiro de 2012

Maninho Guimarães, o ex- comerciante família


Por Raianne Guimarães


Maninho Guimarães falando de família e honestidade.

Em pleno domingo, cheguei na casa de minha avó, D. Osmira e acabei encontrando o meu entrevistado, seu Maninho Guimarães. Quando pergunto se posso bater um papo com ele sobre sua vida, ele não se opõe e começa a relembrar de algumas coisas, mas a nossa conversa oficial foi acontecer na terça-feira, feriado de carnaval.

Marcamos a entrevista na casa de dona Osmira, localizada na Avenida Flaviano Guimarães, avenida que seu Maninho passou boa parte de sua vida e onde manteve um comércio por mais de 40 anos. Resolvi chegar 15 minutos antes do horário marcado para a conversa, que estava prevista para começar às nove da manhã, e assim aconteceu. Trajado com uma calça marrom, camisa de botão, sapatos e óculos, meu perfilado chegara para relembrar momentos bons e ruins de sua vida.

O sétimo dos oito filhos de Antonio Dias Guimarães e Luzia Evangelista Guimarães, Bertolino Alves Guimarães conhecido como seu Maninho, apelido dado pelos irmãos mais velhos, nasceu no dia 2 de junho de 1928, na Fazenda Santa Maria, mas como ele mesmo diz: "só fiz nascer lá, porque sou da Fazenda Flores, em Pilar-Ba".

A infância foi marcada por brincadeiras de gangorra, cavalo de pau, corrida e de cabra cega. Pergunto se ele já chegou a passar fome, ele logo respondeu, "não, não, graças a Deus não. Não éramos ricos, mas uma família de classe média." Sua mamãe era conhecida pela fartura na mesa, aonde quem chegasse sempre era bem recebido.

Maninho saiu da Fazenda Flores em março de 52 em direção a São Paulo, mas precisamente Vila Alpina e depois foi morar em Cubatão. "Na época todo mundo queria ir pra São Paulo, e eu fui", lembra. Trabalhou como servente de pedreiro, na mecânica São Caetano e guarda na Light. Em 57, ele voltou para as Flores e montou um pequeno comércio no povoado de Abóbora. Em maio de 59, casou com Maria Gonçalves Guimarães, dona Quinininha, com quem tem quatro filhos: Solange, Sonileide, Sidneide e Flávio, permanecendo casados até hoje.

Resolveu voltar para São Paulo em 1959, porém ficou desempregado. A partir desse momento, ele percebeu que iria vencer na vida, pois ganhou uma indenização da empresa que trabalhava e resolveu vim em 64, para Juazeiro da Bahia, colocando um comércio na Praça Simões Filho. "No ano de 65 meu irmão (Quintino Alves Guimarães) chegou em Juazeiro e eu deixei o ponto pra ele e aluguei o da Flaviano Guimarães, aonde ficou por aproximadamente 43 anos.

Ele lembra que o comércio da década de 60 e 70 era pequeno, tinha muito aperreio. Teve uma época que o seu comércio fraquejou e ele deixou sua esposa tomando conta e decidiu trabalhar num bar/sorveteria, na Praça Simões Filho em sociedade com Egídio. Trabalhou também como feirante em Juazeiro e na Areia Branca, em Petrolina em 66. Mas, a sua memória nesse momento o engana, "agora eu não me lembro quando foi que eu sai da feira, tem uma base de uns 20 anos, ficando somente no Mercadinho".

Maninho Guimarães ficou conhecido na Flaviano e na Praças Simões Filho devido ao seu comércio. Ele lembra que antigamente era mais fácil para abrir um comércio do que hoje, pois não tinha tantos impostos, indulgências. A pobreza existente nas décadas de 60 e 70, onde seus clientes chegavam na sua venda e pediam a seu Maninho 50 gramas de café, 200 gramas de açúcar e 4 biscoitos sortidos, que faziam sucesso na época, eram constantes. Apesar de ter sido comerciante por mais de quarenta anos ele ressalta: "eu nunca ganhei muito dinheiro, porque perdi muito. Eu vendia fiado e aí foi passando o tempo e fui me segurando mais".

Depois de tantos anos com o comércio, ainda assim ele não estava cansado, mas os seus filhos achavam que ele estava velho e decidiram fechar o mercadinho. "Eu sai com o meu nome limpo, sem dever a ninguém e graças a Deus até hoje não devo".

Atualmente, a Flaviano tem muitos comércios, está muito mais fácil de se comercializar, pois, têm muitas empresas e atacados. "Hoje em dia só não está fácil o imposto, não passa mais nada. De primeiro quando a gente comprava com nota fiscal, quando era da Bahia a gente pagava, mas, quando era dos outros estados, jogava fora a nota fiscal (risos). Mas hoje não, quando chega já é com tarifa tributária".

Tivemos uma pausa na conversa sobre os impostos e começamos a falar sobre a implementação da aposentadoria rural, um dos fatores para que o comércio de Juazeiro alavancasse. Depois desse benefício todo mundo vive bem no interior, tem fogão a gás, que antigamente era a lenha, geladeira, tem liquidificador. E os mais velhos estão ajudando a sustentar os mais novos com o salário da aposentadoria, já que muitos filhos não têm emprego e os pais não querem ver seus filhos com fome.

Seu Maninho relembra que, quando chegou em Juazeiro, não tinha Agrovale, só tinha Prefeitura, os Coelho em Petrolina e o Curtume. Depois, começou o Pingüim, a Agrovale e de uns anos pra cá chegaram os projetos da beira do rio São Francisco e as fazendas de uva e manga, sendo um ganho para a região, onde muita gente foi trabalhar.

-Eu acho que a região não é pobre, vejo todo mundo bem. Sei que tem uns que sofrem mais um pouquinho, mas o que admiro é que a cidade é cheia de carros, né?
-É verdade.
-E quase não se vê um carro velho. Quando não é novo, é semi-novo. Então, o povo está com a vida mais ou menos. Antigamente, tinha pouco carro e só vendia quando não tinha mais jeito mesmo. Teve uma época que eu comprei uma Kombi e vendi depois de doze anos para comprar outro. Hoje não, você compra um carro e depois de um ano já troca por um zero, se perde uma porrada de dinheiro, mas, compra.

Voltando a história de seu Maninho, lembro-lhe que ele é conhecido como “o distribuidor de balas”.
- Por que o seu gosta de distribuir balas?
– Eu toda a vida gostei de brincar com crianças, e quando eu ia lá para as Flores, eu levava um pacote de balas, e fazia galinha gorda para ver menino correr, cair, gosto dessas coisas. Eu gosto de dar cascudo, jogar ovo.
- Jogar ovo? Não me contive e comecei a rir.
- Chegava uns meninos lá na venda e falavam: "seu Maninho eu duvido o senhor jogar um ovo", aí eu ia lá e “pam”, jogava na cabeça deles.

Se alguém perguntar na Avenida Flaviano, quem é Maninho Guimarães as pessoas vão saber quem é? "Sabe, sabe. Bertolino não, mas Maninho Guimarães, Maninho da venda, Maninho de Quininha".

Quando pergunto para ele se definir em uma palavra, o silêncio paira e ele fica reflexivo, e acaba revelando o homem família, que o motiva cada vez mais a querer viver. "Um homem que só quer bem aos filhos, pedir paz aos meus filhos. As coisas estão muito mais fáceis, mas a violência está demais, antigamente não tinha violência, muita gente dormia era nas calçadas". E mais uma vez o comerciante aposentado enfatiza que a sua maior vitória são seus quatro filhos, que, apesar de alguns percalços, conseguiu formar todos.

O homem que morou no depósito da venda, enquanto a casa da Flaviano estava sendo reformada relembra da enchente de 79 em Juazeiro, um momento difícil na sua vida. Ele teve que se mudar de sua casa, na Flaviano, para o bairro Castelo Branco. Para se precaver da chuva fez uma parede na porta do comércio pra ficar bem alto, colocando a mercadoria na casa de uma amiga no Tabuleiro.

O sobrenome Guimarães de seu Maninho tem alguma ligação com a pessoa que dá nome a Avenida Flaviano Guimarães, e ele diz que não. "Eu escutei uma explicação da historiadora Bebela e foi um homem muito bom que esteve aqui e colocaram o nome dele na rua, que era conhecida como rua de baixo, a entrada do Horto Florestal".

Com um olhar expressivo, fala agoniada, o ex-comerciante garante que apesar de alguns momentos difíceis na vida nunca sofreu.
- Graças a Deus!
Em relação a perdas...
-Bom tem o sofrimento da perca de pai, de mãe, mas, o sofrimento de minha pessoa mesmo, de doença não tive.
- Quanta saúde!

Já quanto ao comércio...


- Não tem quem não tenha preocupação, tinha os compromissos, naquele tempo você vendia tudo, e o povo do interior não tinha pagamento, não tinha salário, aí a gente tinha que esperar chover para ver se vendia um garrote, um bode para pagar. Depois eu comecei a vender para ceboleiros, se a safra dava, eles me pagavam, se não dava a gente tinha que esperar para outra safra. Então, nesse período a gente ficava muito aperreado, porque queria ficar com os negócios em dias e não tinha como não se preocupar. Quando uma pessoa não tem muita responsabilidade não se preocupa muito com as coisas não, mas a gente que quer ver tudo direitinho, certinho, se preocupa".

Seu Maninho também é conhecido pelas amizades tanto com adultos, quanto crianças.

– Em primeiro lugar é a honestidade que faz a pessoa, é ser direito.
- Mas a honestidade ainda vale?
- Vale muito pra mim. Muitas vezes chegava vendedor em meu comércio que nunca tinham me visto, e eu falava: "rapaz você vai me vender fiado sem me conhecer?"E o vendedor respondia: "mas já trago seu nome de longe. O nome de direito, de honesto das outras firmas."Eu acho que a honestidade vale muito, é a melhor coisa!

No auge dos seus quase 84 anos, o que refletir da vida daqui para frente..."Eu penso mais no fim da vida, me preocupo muito com a minha cunhada Osmira que já está sofrendo; comigo se Quinininha morrer e eu ficar; se eu morrer e Quininha ficar; com os meus irmãos que já estão sofrendo".

Nessa hora minha avó entra na cozinha e eles começam a relembrar como ela sofreu com a morte de meu avô, e ele diz: "ei, comadre o bom é que nós tivemos sorte com os filhos. E mais uma vez ele ressalta com alegria nos olhos que, "a melhor coisa da vida são os filhos".

Mas, ele tem que ter um defeito e achei.
- Muito agoniado (risos).

Mas, ele garante que nunca teve prejuízo com isso, sempre ganho. "Se eu for para uma missa eu não vou chegar na igreja depois que ela esteja cheia para não ter um lugar para sentar, se eu vou para um almoço, eu não vou chegar lá depois que só tem resto de comida, eu chego logo na frente que é para pegar a comida de primeira".
-Quem anda atrasado sempre perde.

A entrevista toda foi alegre, mas será que ele é o tempo todo alegre? Resolvi questioná-lo.

- O senhor é o tempo todo alegre?
– Não é todo dia que a gente amanhece com a natureza alegre, não.
Tento tirar um sarro dele dizendo que ele não acorda alegre principalmente quando o Flamengo perde, e ele coça o nariz e me diz: "eu, eu não sou muito fanático por futebol não. Uma, que eu estou detestando o futebol masculino brasileiro, porque é o pior que está tendo. Agora o das mulheres eu gosto".

O celular de seu Maninho toca e ele fica receoso de ter atrapalhado a conversa, e eu digo pode atender. Era a sua filha Solange.

A entrevista termina e saímos da cozinha e caminhamos até a sala, onde fomos conversar com um pessoal que estava na casa de minha avó. Depois de alguns minutos, seu Maninho resolve ir embora e o acompanho até a porta, observando os seus passos. Percebo que ele atravessa a rua e senta em um banco da Praça da Flaviano e encontra seus amigos Souza Gato e Chico Carpina.

Hoje, não existe mais o mercadinho de seu Maninho, na Avenida Flaviano Guimarães, nº 173. O ponto é de seu filho Flávio que fez um edifício e, em sua homenagem, denominou Ed. Maninho Guimarães.

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